terça-feira, 5 de julho de 2011

Discussão Etnográfica: Samoa. Tema: Infância, adolescência e socialização





Autores: Ledson Chagas & Talita Saboia

A aula de 09/06/2011 tratou do livro Coming of Age in Samoa, da antropóloga Margaret Mead, publicado em 1928. Na parte inicial da aula, a professora Cecilia McCallum apresentou uma breve biografia da antropóloga norte-americana e, depois, uma descrição do livro citado, um dos expoentes da linha ‘cultura e personalidade’ – na qual o comportamento é um elemento central no estudo de uma cultura –, proposta por Mead e Ruth Benedict, seguidoras da antropologia cultural de Franz Boas.

Margaret Mead nasceu em 16 de dezembro de 1901, na Philadelphia (Pennsylvania, EUA), filha de Edward Sherwood Mead, professor universitário de finanças e Emily Fogg Mead, socióloga que estudava imigrantes italianos. Concluiu sua graduação em 1923 (Barnard College), o mestrado em 1924 (Columbia University), quando estudou com Franz Boas e Ruth Benedict, e o doutorado em 1929 (também Columbia). Renomada antropóloga, publicou importantes livros como Coming of Age in Samoa, Sex and Temperament in Three Primitive Societies (1935) e Male and Female (1949). Foi presidente da Associação Americana de Antropologia (1960). Casou-se três vezes, sempre com antropólogos. Com Luther Cressman (1923-1928), que era teólogo quando se casaram, Reo Fortune (1928-1935) e Gregory Bateson (1936-1950), com quem teve sua única filha, Mary Catherine Bateson, também antropóloga. Margaret Mead morreu em 15 de novembro de 1978, de câncer no pâncreas.

A prof. Cecilia iniciou a descrição do livro destacando qual foi o contexto que o originou. Na década de 20 nos Estados Unidos, alguns fatores como a presença de diferentes grupos de imigrantes, de diferentes seitas religiosas e mudanças sociais contribuíram para que aumentassem as diferenças entre a vida dos adolescentes americanos e as tradições da família americana. Nesse contexto, a psicologia cresceu bastante e a partir dessa ciência houve a tentativa de explicação dos problemas vividos pelos adolescentes. Partindo desse contexto, Margaret Mead, criticando o biologismo e o fisiologismo da explicação oriunda da psicologia e criticando também as concepções de que o critério de ‘raça’ explicaria o comportamento dos adolescentes, teve a ideia que resultou em seu livro, Coming of Age in Samoa. A hipótese inicial foi a de que em outras culturas a vivência e a conceituação da adolescência seriam diferentes de como ocorria nos Estados Unidos (ou em sociedades semelhantes). Mead queria responder a seguinte pergunta: os problemas que afligem os adolescentes americanos são resultado da natureza da adolescência (e, logo, são universais, necessários) ou da cultura à qual pertencem esses adolescentes (e, logo, são particulares, contingentes)? Adotando essa abordagem comparativa, Mead partiu para a ilha de Ta’u, integrante das Ilhas Samoa, e realizou seu trabalho de campo numa vila com 600 habitantes, na qual ela direcionou seu estudo ao conhecimento, convívio, observação e entrevista com 68 garotas, com idades entre nove e 20 anos.

A prof. Cecilia observou que Mead fez um retrato bem visual e auditivo de Samoa, descrevendo o que os habitantes de lá comem (por exemplo, banana, peixes assados em fornos de pedra), costumes peculiares em relação à cultura da autora (em Samoa, são os homens e meninos que cozinham, não as mulheres) ou sobre os poucos animais com que os samoanos mantém contato (porco, cachorro, rato).

Partindo para as questões mais centrais do livro, a prof. Cecilia aponta que, segundo Mead, há dois tipos de família entre os samoanos, uma mais nuclear e outra mais extensa. Nas casas, há uma variação entre o número de moradores, de cinco ou seis a até mesmo 20 pessoas. As jovens, quando se casam, vão viver com o marido, mas quando engravidam voltam para a casa de sua família, onde dão à luz. Fato peculiar é que os partos em Samoa são assistidos pelos moradores da casa, ocorrendo uma espécie de festa simultânea ao parto.

Sobre a educação em Samoa, a prof. Cecilia destaca que não é positiva, ou seja, há normas sobre o que não fazer, mas não sobre o que fazer. Há o costume das crianças maiores cuidarem das menores (geralmente seus irmãos e irmãs) e, inclusive, serem punidas (pelos seus pais) pelo que essas crianças menores fazem de errado. Assim, as crianças menores geralmente crescem egoístas e desobedientes. No entanto, quando elas fazem sete ou oito anos são elas que têm de tomar conta de outras crianças e é assim que adquirem responsabilidade. Por volta dos nove anos de idade, os meninos começam a fazer atividades em grupo e, assim, desenvolvem a cooperação.

Quanto à organização social, cada casa tem um chefe e há chefes de aldeias também, mas a chefia não é passada por hereditariedade, mas por competências especiais. Há (ou havia, sendo que já se passaram tantos anos desde a publicação do livro) também a sociedade dos jovens (homens) não casados, chamada Aumaga, que tem de cumprir várias tarefas, entre elas, conduzir a taupo (o equivalente a ‘princesa’) a outra aldeia, na qual ela irá se casar (e, assim, estabelecer uma aliança entre duas aldeias). Nesse processo de aliança, no entanto, antes que a taupo se case com seu pretendente, ela tem de ter uma relação sexual com o chefe da aldeia dele.

A prof. Cecilia destaca que o livro de Mead é um marco inaugural da antropologia da sexualidade (e da dança também) e, logo, esse é um tema central do livro. Segundo Mead, por volta dos sete anos de idade os irmãos de sexos opostos não podem mais manter contato, nem mesmo se falarem. Entre os 12 ou 13 anos, as meninas ainda não demonstram ter interesse sexual, o que se modifica por volta dos 15 anos de idade. É quando elas entram no ‘período de graça’ e adquirem mais liberdade em relação aos afazeres domésticos, para se dedicarem mais aos relacionamentos. Há três formas de sexualidade fora do casamento na sociedade samoana: encontros clandestinos, intermediados pelo soa (um menino, espécie de ‘embaixador’, que corteja uma garota para seu amigo ou irmão), onde inclusive pode haver relação sexual; uma aproximação mais formal, também intermediada pelo soa, na qual o casal conta com a permissão das famílias (e o relacionamento se dá de forma equivalente ao que é chamado no Brasil de ‘namoro na porta’); e o moetotolo (a tradução para o inglês é algo como ‘sleep crawling’, sendo no português o equivalente a ‘arrastar-se à surdina’), no qual um rapaz invade a casa de uma garota/moça, durante a noite, e tenta estuprá-la. Caso consiga, pode casar com ela. Se não conseguir, a garota fizer um escândalo e ele for pego pela família dela, então ele passa a ser alvo de chacotas de toda a aldeia, e é estigmatizado como um ‘moetotolo’, ou seja, fica com fama de estuprador. Há também homossexualidade entre os samoanos (sem que haja reprovação quanto a isso), mas não há casamentos entre homossexuais. O casamento, organizado através da regra da reciprocidade, é um evento e uma forma de relação política e econômica também. A sociedade é poligâmica.

Comportamentalmente, os samoanos são avessos ao exagero ou a grandes demonstrações de afetação emocional. Não aprovam ou não são afeitos também a uma rigidez (‘seriedade’) comportamental muito demarcada, nem o ciúme exagerado ou a prática sexual muito freqüente.

Mead chegou à conclusão de que a passagem da infância para a vida adulta em Samoa é mais calma e não marcada pela angústia, ansiedade e confusão que se via nos Estados Unidos. Contribuíram para essa maior tranqüilidade os fatos de a sociedade samoana ser monocultural e estável, dos modelos sociais serem bem definidos e de nada relativo às funções básicas do ser humano, como o ato sexual, o parto ou a morte ser escondido ou objeto de tabu.

Vale destacar que Mead tinha objetivos práticos com sua pesquisa, intentando influir no sistema de educação dos Estados Unidos a partir dos resultados de seu trabalho. O livro foi objeto de muita polêmica durante todos esses anos e, inclusive, ocupou o topo de uma lista dos 50 piores livros de não-ficção em língua inglesa, realizada em 1999 pela Intercollegiate Studies Institute, organização educacional tradicionalista e conservadora (descrevem-se como defensores do governo mínimo, mercado livre e das tradições morais judaico-cristãs). Coming of Age in Samoa é referência básica em cursos de antropologia de todo o mundo.

Resumo da aula: A noção antropológica de cultura a partir dos anos 60: Geertz


Resumo sem correção por Cecilia McCallum


Autoras: Maria Magalhães Aguiar

Letícia dos Santos Silva


Referência da aula: Geertz 1989

Clifford James Geertz, um antropólogo americano que viveu entre 1926 e 2006, foi professor da Universidade de Princeton em Nova Jérsei[1]. Seguindo uma linha mais direcionada à Antropologia Cultural, desenvolvida nos EUA, Geertz defende uma investigação antropológica embasada nos significados, valores e símbolos presentes na cultura e que permeiam as relações entre os indivíduos, não apontando uma superioridade da sociedade em detrimento dos indivíduos. Ao contrário da vertente mais difundida na Europa acerca de uma antropologia cuja principal noção persiste na idéia de estrutura social, Geertz é um discípulo de F. Boas e do Historicismo Cultural, que recusam a busca ativa por regularidades entre culturas.

O interesse de Geertz se desenvolveu no sentido de uma antropologia interpretativa, centrada na interpretação de certo mundo cultural, interpretando a interpretação dos nativos, o sistema de símbolos que circunscreve os diferentes grupos para neste encontrar os significados culturais subjacentes, ao invés de significados gerais e/ou universais. Segundo Geertz (1989), essa abordagem que não nega a complexidade da realidade nem busca reduzi-la a simplificações, mas torná-la mais compreensível através de um sistema de interpretações que visa a compreendê-la dentro do seu próprio contexto.

Para esse autor, o objeto da etnografia comporta a hierarquia estratificada de estruturas significantes em função das quais as diferentes nuanças de comportamentos são produzidas, percebidas e interpretadas: “a análise interpretativa, portanto, é escolher entre as estruturas de significação (...) códigos estabelecidos (...) e determinar sua base social e sua importância” (Geertz, 1989, p. 7). A etnografia tem como finalidade uma descrição densa de categorias culturais em um sistema de símbolos. A força da análise cultural se fundamenta muito mais na lógica informal da vida real do que em uma rigidez argumentativa e generalizante: “a análise cultural é intrinsecamente incompleta (...) quanto mais profunda, menos completa” (Geertz, 1989, p. 20). Qualquer generalidade que se consegue atingir nesta investigação é originária da sutileza de suas distinções, ao invés da amplitude de suas abstrações:

A tarefa essencial aqui da construção teórica não é codificar regularidades abstratas, mas tornar possíveis descrições minuciosas (...). No caso da cultura, os significantes (...) são (...) atos simbólicos e o objetivo, (...) a análise do discurso social (Geertz, 1989, p. 18).

Ao considerar o significado, o autor argumenta tratar-se de como todo e qualquer grupo dá sentido àquilo que realiza na prática, expressivamente, moralmente; situando suas ações em estruturas mais amplas de significação e, ao mesmo tempo, ordenando seus atos conforme estes termos (Geertz, 1997). Para Geertz, é na análise de ações do cotidiano que será possível identificar os códigos que estruturam pensamentos e dão significado ao mundo (Caprara, 2003).

Geertz faz uso do conceito semiótico de cultura, como um sistema à procura de

significações, em vez de se tratar de uma ciência experimental, em busca de leis. Sendo, assim, a cultura se situa como um sistema simbólico:

sistemas entrelaçados de signos interpretáveis, não sendo um poder, algo ao qual possa ser atribuído casualmente os acontecimentos sociais, comportamentos (…), ela como um contexto dentro do qual podem ser descritos (…) com densidade (Geertz, 1989, p. 10).

padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas e expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida (Geertz, 1989, p. 69).

A antropologia interpretativa procura compreender o significado de comportamentos e ações dos indivíduos, tendo sido influenciada por autores da tradição hermenêutica, como Gadamer (Caprara, 2003). Para Gadamer (1996), esta abordagem se preocupa em estudar a diferença entre conhecimentos gerais e sua aplicabilidade concreta a casos particulares. Segundo Eriksen e Nielsen (2010), a hermenêutica se trata de um método de interpretação de texto que considera que este é concomitantemente um conjunto de partes individuais e um todo. Geertz se utilizou desta idéia na antropologia ao distinguir o individualismo metódico e o coletivismo, sendo que a noção de sociedade deve ser compreendida ao se considerar as duas perspectivas.


Bibliografia Complementar:

CAPRARA, A. Uma abordagem hermenêutica da relação saúde-doença. Cad. Saúde Pública, 19 (4), Rio de Janeiro, jul/ago, 2003.

ERIKSEN, T. H.; NIELSEN, F. S. O poder dos símbolos. In: ______. História da Antropologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. p. 118-134.

GADAMER, H.G. The enigma of health. Standford, California: Stanford University Press, 1996.

GEERTZ, C. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. [1983]

GEERTZ, C. Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura. Cap. 1. In: __________. A interpretação das culturas. RJ: Editora Guanabara, 1989.



[1] Dados biográficos do referido autor encontrados em http://pt.wikipedia.org/wiki/Clifford_Geertz.