terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Franz Boas e a Antropologia Cultural Moderna



Autora: Alice Dias Lima de Santana
 
A aula da disciplina Antropologia II, ministrada pela docente Cecília McCallum num sabado em dezembro, teve como tema no primeiro horário o pensamento e o trabalho de Franz Boas, fundador da principal abordagem da antropologia moderna norte americana. Para terminar a discussão sobre o “pai da Antropologia Cultural”, iniciada na aula anterior, assistimos e discutimos a parte final do documentário Shackles of Tradition: Franz Boas, disponível em:  http://www.youtube.com/watch?v=GOvFDioPrMM
A carreira de Franz Boas começa na Sociedade Berlinense para a Antropologia, Etnologia e Pré-História, onde atuou como geógrafo. Em 1883 realizou uma expedição para a ilha de Baffin, para fazer um mapa e estudar os esquimós (os auto-denominados Inuit). Permaneceu no local um ano antes de voltar para Alemanha. Dentre seus trabalhos importantes está o material etnográfico recolhido durante o ano que conviveu com estes, que o possibilitou escrever sua primeira obra de caráter antropológico: Os esquimós centrais,
Em 1887 Boas mudou para Nova Iorque, onde sua noiva morava, e nos anos subseqüentes realizou pesquisas entre os Kwakiutl e outros grupos tribais da Colúmbia Britânica, na costa norte do Pacífico. Produziu muito sobre a história, linguagem, cultura e arte dos povos da região.
Durante o documentário, a professora falou ainda sobre o Potlach, ritual observado nos Kwakiutl e outros povos da região, que consiste em os nativos juntarem todas as riquezas e destruí-las. (COMENTÁRIO DE CECILIA: Alice, esta descrição não é o suficiente. Quem juntava as riquezas, de que consistiam estas riquezas, como foi o ritual, qual o motivo da destruição, e quais as consequencias?)
Quando foi morar nos Estados Unidos, Boas trabalhou como professor, foi editor de uma revista cientifica e mais tarde tornou-se professor da prestigiosa Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque, além de curador das coleções antropológicas do Museu Americano de História Natural.
Na época de Boas, o ‘evolucionismo cultural’ estava inserido na Antropologia. Nesta forma de evolucionismo, acreditava-se que a Europa era o apogeu do processo evolucionário e outros povos eram selvagens, doutrina que serviu como justificativa para o domínio exercido sobre esses povos pelos europeus e elites brancas das colônias e ex-colônias. Boas criticou o evolucionismo cultural e propôs o particularismo histórico, que sustentava que cada cultura continha em si seus próprios valores e sua própria história única. Via valor intrínseco na pluralidade das práticas culturais no mundo e era profundamente cético com relação a qualquer tentativa política ou justificativa acadêmica, de interferir nessa diversidade.  
Boas estudou com professores alemães, que criticavam o evolucionismo e simpatizavam com o difusionismo*. Acreditavam no geist (espírito) especifico de cada povo, algo que era bem particular de cada cultura. Ele era herdeiro do humanismo romântico da Alemanha.
Franz Boas ainda fundou a antropologia lingüística, ou seja, a linguagem como a alma do povo, a geist e as formas possíveis de pensar através da língua. Estudar outra língua era viajar e se humanizar, conhecer outra cultura e seu código lingüístico. A Antropologia vai desenvolver e sofisticar essa idéia.
Boas foi um dos primeiros e principais críticos do racismo e da suposta “ciência” inspirada por isso; seus estudos de antropologia física mostraram que as características físicas associadas às diferenças raciais se alteravam dependendo do meio-ambiente. Portanto, não eram fixos. Assim, o que se denomina ‘raça’ não determina a capacidade nem o comportamento dos humanos. Nas suas pesquisas, a variação cultural foi mais expressiva do que qualquer outro valor considerado inato pelo determinismo biológico. Essa abordagem foi mais tolerante e cientificamente embasada.
Em vez da visão etnocêntrico dos evolucionistas ou o racismo dos antropólogos físicos do século 19, Boas trouxe e enfatizou o relativismo cultural.
O legado de Boas durou quatro décadas. Ele dominou a antropologia americana, pois muitos dos antropólogos americanos da geração seguinte foram alunos de Boas. A antropologia cultural proposta por Boas evoluiu em várias direções. Até hoje o seu legado continua na antropologia americana.

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* DIFUSIONISMO  - Uma escola que estudava a distribuição geográfico e a migração de traços culturais e postulavam que culturas eram mosaicos de traços com várias origens e histórias. (ERIKSEN & NIELSEN, 2007)

Bibliografia:

FRANZ BOAS. UOL Educação. Disponível em:<http://educacao.uol.com.br/biografias/franz-boas.jhtm>. Acesso em: 17 dez. 2012.

ERIKSEN, Thomas & Finn Sivert NIELSEN. 2007. História da Antropologia. Petropoles: Vozes.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012



Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Antropologia

FCH 125: ANTROPOLOGIA II   - Semestre 2012.2   -   Professora Cecilia McCallum

Ementa: A disciplina objetiva discutir os princípios teórico-metodológicos das principais escolas da Antropologia Clássica. Além disso, pretende refletir criticamente sobre o impacto dessas correntes na construção do conhecimento e da prática antropológica. 

Avaliação
Prova 1: peso 3.33. Prova escrita em sala de aula, sem consulta.  DATA: 24 janeiro 2013
Prova 2: peso 3.33. Prova escrita em sala de aula, sem consulta.  DATA: 21 março
Prova 3: peso 3.33. Dois componentes:
(a) Seminários - (50%)
(b) Testes de Compreensão das 5 Leituras a ser Resumidas -  (50%)
Testes sobre os Resumos: Res.1; Res.2; Res 3; Res 4;  Res 5;  Ver em baixo.

I. As Raízes da Antropologia do Século XX    
22/11 –  Apresentação - Conceitos básicos: cultura, sociedade, economia.
27/11 -   Evolucionismo face ao darwinismo social e ao racismo cientifico (determinismo biológico)
29/11 – Cultura, Geist, povo,  (difusionismo, determinismo geográfico)
 4/12  – Sociedade x Indivíduo. Positivismo. A noção de “ciência”; Idéias sobre a “ciencia do homem”.

Leitura obrigatória:
ERIKSEN, Thomas & Finn Sivert NIELSEN. 2007. História da Antropologia. Petrópolis: Vozes. pp.7-94.

Leituras recomendadas:
LÉVI STRAUSS, Claude. ‘Raça e História’. Cap. XVIII In Antropologia Estrutural II. [1973]


II. Boas: O particularismo histórico e a crítica aos determinismos (histórico, geográfico e biológico)
06/12 - A formação da Antropologia Cultural - Entrega de (Boas 1896 - As limitações do método comparativo)
11/12-Filme: “Shackles of tradition: Franz Boas”
13/12 -  Cultura e Raça

Leituras obrigatórias:
BOAS, Franz. [1896]. As limitações do método comparativo da antropologia. In: Antropologia Cultural. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. (pp.25-39).
BOAS, Franz. [1908]. Mudanças na forma corporal dos imigrantes. & [1911] Instabilidade de tipos humanos. Texto 29, In: Stocking, George. 2004. A formação da antropologia americana. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed.UFRJ. pp.244-263.
CASTRO, Celso. Apresentação. In: Franz Boas, p.7-23

Leituras recomendadas:
BOAS, Franz. [1887]. Um ano entre os esquimós. Texto 5, In Stocking 2004 (org.), pp.67-80.
BENEDICT, Ruth. [1935]. ‘A costa do Noroeste da América’, In Padrões de Cultura. Lisboa: Editora Livros do Brasil. pp194-243.
STOCKING, George W. ‘Introdução: os pressupostos básicos da antropologia de Boas’, 2004. In A formação da antropologia americana. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed.UFRJ. pp. 15-38.
ERIKSEN, Thomas & Finn Sivert NIELSEN. 2007. Op.Cit.

Filme: Série “Strangers abroad”, Direção: Andre Singer. Inglaterra, Central Independent Television - 1. “Shackles of tradition: Franz Boas” (52 min)    http://www.youtube.com/watch?v=GOvFDioPrMM

III. Malinowski e a Antropologia Moderna: Método, Campo e Teoria        
18/ 12-  O Método etnográfico, pesquisa de campo, ponto de vista do nativo.
20/ 12– O kula: Etnografia de lógicas & sistemas nativos
25/12 FERIADO
27/12 – Funcionalismo & individualismo metodológico (1)
01/01/2013 FERIADO
03/01 – Funcionalismo & individualismo metodológico (2) & Teste de Compreensão de RESUMO -1

Leituras obrigatórias:
MALINOWSKI, Bronislaw. [1922] 1984. Os Argonautas do Pacífico Ocidental. In: Os Pensadores, São Paulo: Ática.
(a) Prefácio de Sir James Frazer;
(b) Introdução: Tema, método, objetivo...”, pp.17-34; RESUMO -1
(c) Capítulo III ‘Características Essenciais de kula’, pp. 71-86.
MALINOWSKI, Bronislaw. [1935] 1978. Coral Gardens and their Magic. New York: Dover. (Cap. XI “The method of field-work and the invisible facts of native law and economics”, pp.315-340 (pp.315-323 Tradução de Clara Lourido);  Apêndice II “Confessions of Ignorance and Failure”, pp.452-462).

Leituras recomendadas:
DURHAM, Eunice. 1978. Apresentação de Argonautas do Pacífico Ocident al. In: Malinowski. São Paulo
DURHAM, Eunice. 1986. Introdução. In: Malinowski. São Paulo: Atica.
DURHAM, Eunice.1978. A Reconstituição da Realidade. Ver especialmente cap.II ‘O nativo em “carne e osso”, pp. 45-87. 301.2 D961 (FFCH)
GOLDMAN, Marcio. 2006. Alteridade e experiência: antropologia e teoria etnográfica. Etnográfica, Vol. X(1): 161-173.

Filme: Série “Strangers abroad”, Direção: Andre Singer. Inglaterra, Central Independent Television, 3.  “Off the verandah: Malinowski” (54 min)


IV  A Escola de Cultura e Personalidade
8/01 – Os Alunos e as Alunas de Boas;
10/01 – Seminários: Os Mundugumor & os Tchambuli (Mead) &  Teste de Compreensão de RESUMO -2 (Mead 1935, Sexo e Temperamento)
15/01 – Benedict
22/01 – Seminários: Os Povos do Novo México & Os nativos de Dobu (Benedict)

Leituras obrigatórias:
BENEDICT, Ruth. [1935]. Padrões de Cultura. (capítulos teóricos)
MEAD, Margareth.  Sexo e Temperamento. São Paulo: Perspectiva, 1990. [1935]. Introdução Pp. 19-27 & QUARTA PARTE: A Implicação desses Resultados. Pp. 267-303. (capítulos teóricos) RESUMO -2
BOAS, Franz. [1909]. ‘Problemas psicológicos na antropologia’. Texto 32, In: Stocking, George. 2004. A formação da antropologia americana. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed.UFRJ. pp.293-307.

Leituras recomendadas:
BENEDICT, Ruth. [1935]. Padrões de Cultura. Lisboa: Editora Livros do Brasil.
MEAD, Margareth.  Sexo e Temperamento. São Paulo: Perspectiva, 1990.
ERIKSEN & NIELSEN, Op.cit.
Filme: Série “Strangers abroad”, Direção: Andre Singer. Inglaterra, Central Independent Television, 2. “Coming of age: Margaret Mead”(54 min).

24/01/ 2013 –  PROVA 1




V Durkheim: O fato social e as formas elementares de vida religiosa

29/01– Aspectos metodológicos: A noção de fato social -
31/01 - Sociedade & Economia
Teste de Compreensão de RESUMO 3 (Cap I “O que é fato social?” & Cap. II “Regras relativas..”)
5/02 – Sociedade & Religião
7/02  - quinta pré-carnaval
12/02 – carnaval
14/02-  Sociedade & Religião (cont.)


Leituras obrigatórias:
DURKHEIM, Émile. [1895] As regras do método sociológico: pdf
Prefácio à 1ª. Ed.;
Cap I “O que é fato social?” & Cap. II “Regras relativas à observação dos fatos sociais” pp. 1-47. RESUMO 3
DURKHEIM, Émile. [1915] As Formas Elementares da Vida Religiosa. pdf
         Introdução, pp.
Cap. 6 “A noção de princípio ou mana totêmico e a idéia de força”, pp. 189-208;
Cap. 7  “Gênese do princípio ou mana totêmico” pp. 209-250

Leituras recomendadas:
ERIKSEN & NIELSEN, Op.cit.
DURKHEIM [1915] - Conclusão.
LUKES, Steven. 1977. Bases para a interpretação de Durkheim. In: Cohn, Gabriel (org.) Sociologia: para ler os clássicos. Rio de Janeiro: Livros Científicos e Técnicos. (pp.15-46)

VI  A Antropologia de Marcel Mauss
19/02 -  A teoria da dádiva; .
21/02 -  A teoria da dádiva (cont.)
26/02 - A noção de pessoa & Teste de Compreensão de RESUMO 4. MAUSS, 1924, Ensaio sobre a Dádiva.
28/02 -  Antropologia e Etnografia na França: Conterrâneos e Alunos de Mauss

Leituras obrigatórias:
MAUSS, Marcel. 2008. [1924] Ensaio sobre a Dádiva. Lisboa: Edições 70. RESUMO 4
“Introdução: Da dádiva, e em particular da obrigação de retribuir os presentes”.
“Capítulo 1 ‘As dádivas trocadas e a obrigação de as retribuir (Polinésia)”. pp. 49-78.
(Também In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify. 2003, pp.185-314.)
MAUSS, Marcel. 2003. Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a de “eu”. In: Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify. pp.369-400.

Leituras recomendadas:
LEVI-STRAUSS, Claude. [1950]. ‘Introdução: A obra de Marcel Mauss’. In Marcel Mauss: Sociologia e Antropologia Vol. II. Tradução de Mauro W.B. de Almeida. São Paulo: EPU/EDUSP. 1974. Pp.1-36.
LANNA, Marcos.  2000. “Nota sobre Marcel Mauss e o ensaio sobre a dádiva”. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 14: pp. 173-194
CAVIGNAC, Julie Antoinette "Maurice Leenhardt e o inicio de pesquisa de  campo na antropologia francesa". In Julie Antoinette Cavignac, Miriam  Pillar Grossi, Antonio Motta (orgs.) Antropologia francesa no século  XX, Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2006, pp. 25-81.
CLIFFORD, J. "Poder e diálogo na etnografia: a iniciação de Griaule". In A Experiência etnográfica, Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 1988. pp. 179-226.





VII Radcliffe-Brown: o estrutural-funcionalismo e o método comparativo
Introdução ao Estudo de Parentesco
5/3-  Introdução ao Estudo de Parentesco (cont.)
7/3-  Estrutural-Funcionalismo 1
12/3-. Estrutural-Funcionalismo 2. Sobre o Irmão da Mãe.
14/3 -.Teste de Compreensão  de RESUMO 5 Radcliffe-Brown, O método comparativo
19/3 -  Antropologia & Colonialismo

21 ´03 – SEGUNDA PROVA

Leituras obrigatórias:
RADCLIFFE-BROWN, Alfred Reginald. 1978. O método comparativo em Antropologia. In: Júlio Cezar Melatti (org.). Radcliffe-Brown. São Paulo: Ática. pp.43-58. RESUMO 5 - 301 R125  (FFCH) & 572 R125 CEAO
RADCLIFFE-BROWN, Alfred Reginald. 1973. Estrutura e Função na Sociedade Primitiva Petrópolis: Vozes.    301 R125  (FFCH & CEAO)
Introdução, p. 9-26
Cap.IX, Sobre o conceito de Função em Ciências Sociais, p.220-231.
Cap.X “Sobre a estrutura social”. p.232-251
KUPER, Adam. “Antropologia e colonialismo”. Cap. IV, In Antropólogos e Antropologia, Rio de Janeiro, Francisco Alves,1978. pp. 121-146.

Leituras recomendadas:
RADCLIFFE-BROWN, Alfred Reginald. 1973. Estrutura e Função na Sociedade Primitiva
Cap.IV “Os parentescos por Brincadeira”, p.115-132
Cap.V. “Nota adicional sobre os parentescos por Brincadeira”, p.133-146.
RADCLIFFE-BROWN, A. R. “Prefácio”. [1940]. In: Fortes, M. e Evans-Pritchard, E.E. (Ed) Sistemas Políticos Africanos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1981.
MALINOWSKI, Bronislaw. 1984. A teoria funcional. In: E. Durham (org.), Malinowski, Cap.9.
SCHUSKY, Ernest L. Manual para análise de parentesco. Editora Pedagogica Universitária, São Paulo, 1973.

* Duas aulas práticas - Exercício no campo (4 horas-aula)




terça-feira, 5 de julho de 2011

Discussão Etnográfica: Samoa. Tema: Infância, adolescência e socialização





Autores: Ledson Chagas & Talita Saboia

A aula de 09/06/2011 tratou do livro Coming of Age in Samoa, da antropóloga Margaret Mead, publicado em 1928. Na parte inicial da aula, a professora Cecilia McCallum apresentou uma breve biografia da antropóloga norte-americana e, depois, uma descrição do livro citado, um dos expoentes da linha ‘cultura e personalidade’ – na qual o comportamento é um elemento central no estudo de uma cultura –, proposta por Mead e Ruth Benedict, seguidoras da antropologia cultural de Franz Boas.

Margaret Mead nasceu em 16 de dezembro de 1901, na Philadelphia (Pennsylvania, EUA), filha de Edward Sherwood Mead, professor universitário de finanças e Emily Fogg Mead, socióloga que estudava imigrantes italianos. Concluiu sua graduação em 1923 (Barnard College), o mestrado em 1924 (Columbia University), quando estudou com Franz Boas e Ruth Benedict, e o doutorado em 1929 (também Columbia). Renomada antropóloga, publicou importantes livros como Coming of Age in Samoa, Sex and Temperament in Three Primitive Societies (1935) e Male and Female (1949). Foi presidente da Associação Americana de Antropologia (1960). Casou-se três vezes, sempre com antropólogos. Com Luther Cressman (1923-1928), que era teólogo quando se casaram, Reo Fortune (1928-1935) e Gregory Bateson (1936-1950), com quem teve sua única filha, Mary Catherine Bateson, também antropóloga. Margaret Mead morreu em 15 de novembro de 1978, de câncer no pâncreas.

A prof. Cecilia iniciou a descrição do livro destacando qual foi o contexto que o originou. Na década de 20 nos Estados Unidos, alguns fatores como a presença de diferentes grupos de imigrantes, de diferentes seitas religiosas e mudanças sociais contribuíram para que aumentassem as diferenças entre a vida dos adolescentes americanos e as tradições da família americana. Nesse contexto, a psicologia cresceu bastante e a partir dessa ciência houve a tentativa de explicação dos problemas vividos pelos adolescentes. Partindo desse contexto, Margaret Mead, criticando o biologismo e o fisiologismo da explicação oriunda da psicologia e criticando também as concepções de que o critério de ‘raça’ explicaria o comportamento dos adolescentes, teve a ideia que resultou em seu livro, Coming of Age in Samoa. A hipótese inicial foi a de que em outras culturas a vivência e a conceituação da adolescência seriam diferentes de como ocorria nos Estados Unidos (ou em sociedades semelhantes). Mead queria responder a seguinte pergunta: os problemas que afligem os adolescentes americanos são resultado da natureza da adolescência (e, logo, são universais, necessários) ou da cultura à qual pertencem esses adolescentes (e, logo, são particulares, contingentes)? Adotando essa abordagem comparativa, Mead partiu para a ilha de Ta’u, integrante das Ilhas Samoa, e realizou seu trabalho de campo numa vila com 600 habitantes, na qual ela direcionou seu estudo ao conhecimento, convívio, observação e entrevista com 68 garotas, com idades entre nove e 20 anos.

A prof. Cecilia observou que Mead fez um retrato bem visual e auditivo de Samoa, descrevendo o que os habitantes de lá comem (por exemplo, banana, peixes assados em fornos de pedra), costumes peculiares em relação à cultura da autora (em Samoa, são os homens e meninos que cozinham, não as mulheres) ou sobre os poucos animais com que os samoanos mantém contato (porco, cachorro, rato).

Partindo para as questões mais centrais do livro, a prof. Cecilia aponta que, segundo Mead, há dois tipos de família entre os samoanos, uma mais nuclear e outra mais extensa. Nas casas, há uma variação entre o número de moradores, de cinco ou seis a até mesmo 20 pessoas. As jovens, quando se casam, vão viver com o marido, mas quando engravidam voltam para a casa de sua família, onde dão à luz. Fato peculiar é que os partos em Samoa são assistidos pelos moradores da casa, ocorrendo uma espécie de festa simultânea ao parto.

Sobre a educação em Samoa, a prof. Cecilia destaca que não é positiva, ou seja, há normas sobre o que não fazer, mas não sobre o que fazer. Há o costume das crianças maiores cuidarem das menores (geralmente seus irmãos e irmãs) e, inclusive, serem punidas (pelos seus pais) pelo que essas crianças menores fazem de errado. Assim, as crianças menores geralmente crescem egoístas e desobedientes. No entanto, quando elas fazem sete ou oito anos são elas que têm de tomar conta de outras crianças e é assim que adquirem responsabilidade. Por volta dos nove anos de idade, os meninos começam a fazer atividades em grupo e, assim, desenvolvem a cooperação.

Quanto à organização social, cada casa tem um chefe e há chefes de aldeias também, mas a chefia não é passada por hereditariedade, mas por competências especiais. Há (ou havia, sendo que já se passaram tantos anos desde a publicação do livro) também a sociedade dos jovens (homens) não casados, chamada Aumaga, que tem de cumprir várias tarefas, entre elas, conduzir a taupo (o equivalente a ‘princesa’) a outra aldeia, na qual ela irá se casar (e, assim, estabelecer uma aliança entre duas aldeias). Nesse processo de aliança, no entanto, antes que a taupo se case com seu pretendente, ela tem de ter uma relação sexual com o chefe da aldeia dele.

A prof. Cecilia destaca que o livro de Mead é um marco inaugural da antropologia da sexualidade (e da dança também) e, logo, esse é um tema central do livro. Segundo Mead, por volta dos sete anos de idade os irmãos de sexos opostos não podem mais manter contato, nem mesmo se falarem. Entre os 12 ou 13 anos, as meninas ainda não demonstram ter interesse sexual, o que se modifica por volta dos 15 anos de idade. É quando elas entram no ‘período de graça’ e adquirem mais liberdade em relação aos afazeres domésticos, para se dedicarem mais aos relacionamentos. Há três formas de sexualidade fora do casamento na sociedade samoana: encontros clandestinos, intermediados pelo soa (um menino, espécie de ‘embaixador’, que corteja uma garota para seu amigo ou irmão), onde inclusive pode haver relação sexual; uma aproximação mais formal, também intermediada pelo soa, na qual o casal conta com a permissão das famílias (e o relacionamento se dá de forma equivalente ao que é chamado no Brasil de ‘namoro na porta’); e o moetotolo (a tradução para o inglês é algo como ‘sleep crawling’, sendo no português o equivalente a ‘arrastar-se à surdina’), no qual um rapaz invade a casa de uma garota/moça, durante a noite, e tenta estuprá-la. Caso consiga, pode casar com ela. Se não conseguir, a garota fizer um escândalo e ele for pego pela família dela, então ele passa a ser alvo de chacotas de toda a aldeia, e é estigmatizado como um ‘moetotolo’, ou seja, fica com fama de estuprador. Há também homossexualidade entre os samoanos (sem que haja reprovação quanto a isso), mas não há casamentos entre homossexuais. O casamento, organizado através da regra da reciprocidade, é um evento e uma forma de relação política e econômica também. A sociedade é poligâmica.

Comportamentalmente, os samoanos são avessos ao exagero ou a grandes demonstrações de afetação emocional. Não aprovam ou não são afeitos também a uma rigidez (‘seriedade’) comportamental muito demarcada, nem o ciúme exagerado ou a prática sexual muito freqüente.

Mead chegou à conclusão de que a passagem da infância para a vida adulta em Samoa é mais calma e não marcada pela angústia, ansiedade e confusão que se via nos Estados Unidos. Contribuíram para essa maior tranqüilidade os fatos de a sociedade samoana ser monocultural e estável, dos modelos sociais serem bem definidos e de nada relativo às funções básicas do ser humano, como o ato sexual, o parto ou a morte ser escondido ou objeto de tabu.

Vale destacar que Mead tinha objetivos práticos com sua pesquisa, intentando influir no sistema de educação dos Estados Unidos a partir dos resultados de seu trabalho. O livro foi objeto de muita polêmica durante todos esses anos e, inclusive, ocupou o topo de uma lista dos 50 piores livros de não-ficção em língua inglesa, realizada em 1999 pela Intercollegiate Studies Institute, organização educacional tradicionalista e conservadora (descrevem-se como defensores do governo mínimo, mercado livre e das tradições morais judaico-cristãs). Coming of Age in Samoa é referência básica em cursos de antropologia de todo o mundo.

Resumo da aula: A noção antropológica de cultura a partir dos anos 60: Geertz


Resumo sem correção por Cecilia McCallum


Autoras: Maria Magalhães Aguiar

Letícia dos Santos Silva


Referência da aula: Geertz 1989

Clifford James Geertz, um antropólogo americano que viveu entre 1926 e 2006, foi professor da Universidade de Princeton em Nova Jérsei[1]. Seguindo uma linha mais direcionada à Antropologia Cultural, desenvolvida nos EUA, Geertz defende uma investigação antropológica embasada nos significados, valores e símbolos presentes na cultura e que permeiam as relações entre os indivíduos, não apontando uma superioridade da sociedade em detrimento dos indivíduos. Ao contrário da vertente mais difundida na Europa acerca de uma antropologia cuja principal noção persiste na idéia de estrutura social, Geertz é um discípulo de F. Boas e do Historicismo Cultural, que recusam a busca ativa por regularidades entre culturas.

O interesse de Geertz se desenvolveu no sentido de uma antropologia interpretativa, centrada na interpretação de certo mundo cultural, interpretando a interpretação dos nativos, o sistema de símbolos que circunscreve os diferentes grupos para neste encontrar os significados culturais subjacentes, ao invés de significados gerais e/ou universais. Segundo Geertz (1989), essa abordagem que não nega a complexidade da realidade nem busca reduzi-la a simplificações, mas torná-la mais compreensível através de um sistema de interpretações que visa a compreendê-la dentro do seu próprio contexto.

Para esse autor, o objeto da etnografia comporta a hierarquia estratificada de estruturas significantes em função das quais as diferentes nuanças de comportamentos são produzidas, percebidas e interpretadas: “a análise interpretativa, portanto, é escolher entre as estruturas de significação (...) códigos estabelecidos (...) e determinar sua base social e sua importância” (Geertz, 1989, p. 7). A etnografia tem como finalidade uma descrição densa de categorias culturais em um sistema de símbolos. A força da análise cultural se fundamenta muito mais na lógica informal da vida real do que em uma rigidez argumentativa e generalizante: “a análise cultural é intrinsecamente incompleta (...) quanto mais profunda, menos completa” (Geertz, 1989, p. 20). Qualquer generalidade que se consegue atingir nesta investigação é originária da sutileza de suas distinções, ao invés da amplitude de suas abstrações:

A tarefa essencial aqui da construção teórica não é codificar regularidades abstratas, mas tornar possíveis descrições minuciosas (...). No caso da cultura, os significantes (...) são (...) atos simbólicos e o objetivo, (...) a análise do discurso social (Geertz, 1989, p. 18).

Ao considerar o significado, o autor argumenta tratar-se de como todo e qualquer grupo dá sentido àquilo que realiza na prática, expressivamente, moralmente; situando suas ações em estruturas mais amplas de significação e, ao mesmo tempo, ordenando seus atos conforme estes termos (Geertz, 1997). Para Geertz, é na análise de ações do cotidiano que será possível identificar os códigos que estruturam pensamentos e dão significado ao mundo (Caprara, 2003).

Geertz faz uso do conceito semiótico de cultura, como um sistema à procura de

significações, em vez de se tratar de uma ciência experimental, em busca de leis. Sendo, assim, a cultura se situa como um sistema simbólico:

sistemas entrelaçados de signos interpretáveis, não sendo um poder, algo ao qual possa ser atribuído casualmente os acontecimentos sociais, comportamentos (…), ela como um contexto dentro do qual podem ser descritos (…) com densidade (Geertz, 1989, p. 10).

padrão de significados transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas e expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida (Geertz, 1989, p. 69).

A antropologia interpretativa procura compreender o significado de comportamentos e ações dos indivíduos, tendo sido influenciada por autores da tradição hermenêutica, como Gadamer (Caprara, 2003). Para Gadamer (1996), esta abordagem se preocupa em estudar a diferença entre conhecimentos gerais e sua aplicabilidade concreta a casos particulares. Segundo Eriksen e Nielsen (2010), a hermenêutica se trata de um método de interpretação de texto que considera que este é concomitantemente um conjunto de partes individuais e um todo. Geertz se utilizou desta idéia na antropologia ao distinguir o individualismo metódico e o coletivismo, sendo que a noção de sociedade deve ser compreendida ao se considerar as duas perspectivas.


Bibliografia Complementar:

CAPRARA, A. Uma abordagem hermenêutica da relação saúde-doença. Cad. Saúde Pública, 19 (4), Rio de Janeiro, jul/ago, 2003.

ERIKSEN, T. H.; NIELSEN, F. S. O poder dos símbolos. In: ______. História da Antropologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010. p. 118-134.

GADAMER, H.G. The enigma of health. Standford, California: Stanford University Press, 1996.

GEERTZ, C. O saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. [1983]

GEERTZ, C. Uma descrição densa: por uma teoria interpretativa da cultura. Cap. 1. In: __________. A interpretação das culturas. RJ: Editora Guanabara, 1989.



[1] Dados biográficos do referido autor encontrados em http://pt.wikipedia.org/wiki/Clifford_Geertz.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

RESUMO DA AULA DO DIA 21 DE JUNHO DE 2011

(Postagem sem correção por C.McCallum)

Elaborado por Michele Santana Pacheco de Almeida

A aula da disciplina Antropologia I, ministrada pela docente Cecília McCallum teve como principal tema o texto de Clifford Geertz intitulado ‘Um jogo absorvente: notas sobre a briga de galos balinesa’, capítulo 9 do livro A interpretação das culturas. A professora começou discutindo sobre a importância de compreendermos a briga de galos enquanto um símbolo público, na medida em que se constitui em uma rede de significados e que o galo significa a representação da masculinidade balinesa.

Através do contato com o povo balinês, Geertz pôde perceber a importância que os nativos davam ao evento da briga de galos e, ainda nesse aspecto, compreendeu a visão de mundo deles contextualizando com a cultura e um conjunto de significados simbólicos que norteiam a vida cotidiana em Bali.

Geertz conceitua cultura como sistemas integrados de símbolos públicos que os indivíduos possuem e manipulam e que se encontram dentro de cada ser, isto é, no interior de cada um. Os sistemas de símbolos que habitam nas pessoas apresentam um sistema de lógica cultural no interior da própria cultura de determinado povo. Assim, a briga de galos possui uma lógica para o próprio povo de Bali que encara este evento como algo de grande importância.

Os sistemas de significações culturais implicam consideravelmente no papel de atuação do antropólogo em campo, onde surge a necessidade de ir além da entrevista para compreender a rede de significados de vida dos nativos. Por essa causa, a descrição densa da cultura vivida pelos nativos envolvia, sobretudo, a participação ativa do pesquisador no contexto da pesquisa, na vida cotidiana e nas atividades diárias. Assim, para entender e interpretar a briga de galos seria necessário estudar a religião, a organização econômica, organização da aldeia, as questões políticas, num processo que envolve uma visão holística de todo o fenômeno.

Nessa perspectiva, Geertz fez uma análise densa sobre a briga de galos e tentou sintetizar os aspectos que norteavam todo o processo que antecedia a briga até chegar ao momento final. Embora sendo ilegal, a briga de galos tinha um papel importante nos rituais e na vida dos balineses; o espaço da rinha se constituía um local carregado de um sistema de significados reveladores da importância da briga para o público masculino de Bali.

Alguns aspectos destacados na aula foram que a língua falada é o balinês; os balineses não são mulçumanos e possuem ligação com o hinduísmo; tem uma tradição cultural própria, da mitologia (guerreiros poderosos); a organização da aldeia é feita em facções, na patrilinearidade e na endogamia. Outra questão curiosa é que Bali tem um formato geográfico semelhante à figura de um galo (símbolo mítico dos balineses); o galo além de representar seu dono, simboliza um pênis, representando a masculinidade.

O galo simboliza não apenas o seu dono, mas também a família. Na base da estrutura de parentesco e casamento pode significar o nível de inclusão das famílias. Além disso, o galo representa também a alteridade, as relações sociais baseadas nas diferenças e num sistema de status social hierárquico herdado. Outro aspecto é que no embate entre um galo de fora e um de dentro da aldeia, então, o galo de fora representa a todos na aldeia e não apenas a família que cuida dele.

Sobre a participação das mulheres na briga de galos, estas somente participam das atividades periféricas das brigas mais festivas; não participam das brigas em si, mostrando assim, que ocorre uma separação de gênero. Entretanto, no cotidiano há uma igualdade entre homens e mulheres, que lidam entre pares, onde os balineses se tratam com cortesia. Outra questão é que no momento da briga de galos é que se destacam os aspectos mais agressivos da masculinidade, onde os homens “colocam pra fora” tudo o que sentem, mostrando o quanto se envolve emocionalmente com a briga de galos.

Em seguida, a professora discutiu as etapas de discussão que Geertz estruturou o seu texto, revelando os aspectos mais importantes. No primeiro tópico intitulado A invasão, o autor relata como ele e sua esposa parecia mais uns invasores na aldeia balinesa, onde eram praticamente tratados com indiferença e com invisibilidade. Simplesmente, as pessoas da aldeia não davam a menor importância à presença deles e isso incomodava muito no início de seu trabalho, ao passo que um determinado acontecimento mudou completamente o rumo da história. Bastou a polícia chegar ao local em que estava acontecendo a briga de galos e todos passaram a correr desesperados tentando fugir da prisão policial.

Esse fato fez com que os balineses permitissem uma aproximação dos pesquisadores com eles, na medida em que aprovaram de certa forma a ação deles no momento do apuro. Eles se comportaram como se estivessem participando da briga de galos, ao invés de simplesmente falarem aos policiais que estavam apenas como estudiosos do evento.

No tópico De galos e Homens o autor considera a profunda identificação psicológica dos homens de Bali com o galo. Nessa parte do texto, Geertz adentra na descrição densa do símbolo público, “briga de galos”, que é mais do que uma briga de animais, se constitui enquanto uma briga de homens. O galo seria comparado a um pênis ambulante, e representa o próprio dono, com o qual possui uma relação afetiva com ele. O galo seria seu self, isto é, o eu do seu dono, a sua magnificação; o galo também seria seu aspecto animal, sua animalidade.

A partir do decorrer de suas observações, Geertz percebeu que os homens eram verdadeiros entusiastas, apaixonados por este animal. Da estreita relação entre homem e animal é que decorria todo um cuidado com a alimentação, a higiene, a saúde e a força física do galo, onde o animal conferia admiração ao dono. Cuidar bem do animal se constituía uma prática levada a sério e vê-lo bonito e forte era algo que dava prazer ao dono. Existia toda uma preparação, desde a alimentação ideal até a preparação da plumagem, das esporas, das massagens nas pernas, para deixar o galo pronto para a briga.

O autor coloca que os balineses possuem uma repulsa contra qualquer comportamento tido como animal e que a visão cosmológica confere aos demônios a retratação animalesca; existe uma ambivalência em relação à figura animal, que, por um lado é encarado pelo ódio, medo, mas também, fascínio; para os balineses, o galo tem relação direta com os poderes das trevas. Outro aspecto fundamental é que para o povo de Bali, o acontecimento de um desastre natural deveria ser feito um sacrifício de sangue.

Em suma, o que ficou expresso claramente é que o galo é a representação de um símbolo público e a briga um ritual simbólico.

No tópico O Embate, Geertz segue relatando como é feita a preparação dos galos antes da briga e no momento, quando o galo ferido passa por todo um processo e retorna para o próximo embate até chegar o golpe final. O ganhador leva pra casa a carcaça do galo. Há toda uma gritaria no momento das apostas, ao passo que na hora da briga, segue-se o silêncio e a concentração. Embora o galo represente o dono (aspecto mais individual), a briga é algo social, coletivo, pois envolve várias pessoas.

As regras que regem a briga de galos são manuscritas em folhas de palmeiras e passadas de geração a geração, onde a tradição é mantida através dessa prática. O homem que lida com o coco (o juiz) cuida para a aplicação das regras.

Geertz utiliza da concepção de Irving Goffman que define que uma briga de galos é uma “reunião concentrada”, onde as pessoas atuam de forma articulada na atividade.

Em As vantagens e o Direito ao par, o autor considera que existe uma lógica nas apostas em relação aos níveis de inclusão; os galos somente brigam com os seus semelhantes. Sobre a forma de aposta da briga de galos, o autor percebe que há a aposta principal (centro/oficial) que é coletiva e a aposta periférica (pequena) que é individual, de homem para homem. O dinheiro não é apostado com “pena”, os balineses dão importância às apostas e não se preocupam se vão gastar todo o dinheiro ou se vão ganhar muito ou pouco, apenas o mais importante é a vitória, é o “êxtase” proporcionado pelo fenômeno da luta. Isso reflete que o jogo é social e não econômico.

As apostas são maiores para os galos melhores, ao passo que as apostas inferiores são feitas para os galos menores. Na briga central, o dinheiro da aposta é equiparado, ao passo que nas apostas periféricas, não são equiparadas as apostas, pois uns dão mais dinheiro que os outros. Assim, há uma assimetria formal entre as apostas centrais (bem equilibradas) e as apostas periféricas (desequilíbrio).

O jogo é absorvente (profundo) nas apostas centrais e estas influenciam nas apostas periféricas. Os jogos periféricos padecem em profundidade, ao passo que as apostas centrais criam embates mais interessantes.

O autor coloca que um homem nunca aposta contra um galo de seu grupo de parentesco, mesmo que ele não seja o favorito. Caso não haja um galo de seu grupo na briga, aposta a favor do galo do grupo de parentesco aliado contra um não-aliado; da mesma forma, quando um galo da aldeia luta com um galo de fora, ele deve apoiar o galo local. Geertz considera que todos os embates são sociologicamente importantes.

Geertz coloca, inclusive, que com a briga de galos há um movimento no comércio externo à rinha, onde os vendedores comercializam seus produtos, onde há uma movimentação do dinheiro na localidade.

No tópico Brincando com fogo, o autor considera que o dinheiro é apenas um símbolo de valor moral, pois o que se ganha é a honra, a emoção pela vitória. Outra questão é que a perda ou a vitória é um momento que passa. A briga de galos reflete uma dramatização do povo em relação ao status, onde este não é alterado pelo resultado de uma briga de galos. Outro aspecto é que não é o dinheiro que torna a briga de galos absorvente, mas o que faz o dinheiro acontecer, que seria a “migração da hierarquia de status balinesa para o corpo da briga” (p. 201).

Em Penas, Sangue, Multidões e Dinheiro, o autor discute que não se ascende socialmente pelo fato de vencer brigas, apenas deve-se viver o drama da vitória e da derrota. Para o autor, a briga de galos só é real para os galos que vivenciam na pele o embate, pois não mata nenhum homem, não machuca nem faz com que este ascenda na escala social. Tudo não passa de um drama real para o animal e inquietação para os participantes.

Nesse aspecto de dramatização há a recriação teatral da vida social; o autor considera a briga de galos como uma poesia e aquele que assiste e participa sai do local, após a briga, com algo acrescentado em si. Simbolicamente, é uma “briga de homens”.

Na parte final de seu texto, Geertz discute sobre sua antropologia interpretativa para compreender e interpretar a cultura de um povo, onde entende que as “sociedades, como as vidas, contêm suas próprias interpretações. É preciso descobrir o acesso a elas” (p. 213).

Do trabalho de Geertz podemos considerar importante que seu estudo segue uma linha weberiana, na medida em que parte de aspectos mais subjetivos da vida das pessoas pesquisadas, bem como dos símbolos presentes na cultura. Através de sua Antropologia Interpretativa buscou interpretar a sociedade (ou cultura) de Bali.

Outra questão essencial é compreender que na análise da briga de galos em Bali, Geertz utilizou a hermenêutica, um método de interpretação de texto (cujas raízes são da exegese medieval), que parte do princípio de que um texto é simultaneamente um conjunto de partes individuais e um todo, e que interpretar o texto é realizar um movimento entre esses dois pólos.

O elemento interpretação é fundamental na antropologia de Geertz, onde interpretar uma determinada cultura envolve a busca por uma compreensão das coisas que não se apresentam claramente, sendo necessário fazer um esforço mental de compreensão e interpretação.

Interpretar o sistema de símbolos dos nativos era essencial para compreender a importância de determinados elementos presentes no cotidiano de vida deles. Nesse aspecto, a briga de galos apresentava um papel central no mundo simbólico dos balineses, onde cada briga de galo diferia uma da outra; onde o galo apresentava um significado importante para os nativos, em especial, para os homens. A forma com a qual as pessoas se relacionavam no interior da briga de galos expressava um conjunto de valores presentes nos comportamentos dos participantes. O sistema simbólico presente na briga de galos era formado em um contexto cultural, público, onde aqueles que participavam conferiam grande importância ao evento, ao animal e a sua própria participação.

A briga de galos é uma estrutura simbólica coletiva, organizada, que “fala” sobre a organização social dos balineses, onde os sentimentos estão presentes através de emoções, da excitação do risco, da perda, do desespero da derrota, do regozijo com a vitória. O autor considera que o que se aprende na briga de galos em Bali é o ethos da cultura balinesa e da sensibilidade provocada pela fascinante briga.

Para Geertz, a experiência que presenciou sobre a briga de galos balineses apresenta “selvageria animal, narcisismo machista, participação no jogo, rivalidades de status, excitação de massa, sacrifício sangrento” (p. 210), onde o conjunto de regras refreia as ações dos homens e permite-lhes agir de determinadas formas, em toda uma estrutura simbólica.