Autores: Ledson Chagas & Talita Saboia
A aula de 09/06/2011 tratou do livro Coming of Age in Samoa, da antropóloga Margaret Mead, publicado em 1928. Na parte inicial da aula, a professora Cecilia McCallum apresentou uma breve biografia da antropóloga norte-americana e, depois, uma descrição do livro citado, um dos expoentes da linha ‘cultura e personalidade’ – na qual o comportamento é um elemento central no estudo de uma cultura –, proposta por Mead e Ruth Benedict, seguidoras da antropologia cultural de Franz Boas.
Margaret Mead nasceu em 16 de dezembro de 1901, na Philadelphia (Pennsylvania, EUA), filha de Edward Sherwood Mead, professor universitário de finanças e Emily Fogg Mead, socióloga que estudava imigrantes italianos. Concluiu sua graduação em 1923 (Barnard College), o mestrado em 1924 (Columbia University), quando estudou com Franz Boas e Ruth Benedict, e o doutorado em 1929 (também Columbia). Renomada antropóloga, publicou importantes livros como Coming of Age in Samoa, Sex and Temperament in Three Primitive Societies (1935) e Male and Female (1949). Foi presidente da Associação Americana de Antropologia (1960). Casou-se três vezes, sempre com antropólogos. Com Luther Cressman (1923-1928), que era teólogo quando se casaram, Reo Fortune (1928-1935) e Gregory Bateson (1936-1950), com quem teve sua única filha, Mary Catherine Bateson, também antropóloga. Margaret Mead morreu em 15 de novembro de 1978, de câncer no pâncreas.
A prof. Cecilia iniciou a descrição do livro destacando qual foi o contexto que o originou. Na década de 20 nos Estados Unidos, alguns fatores como a presença de diferentes grupos de imigrantes, de diferentes seitas religiosas e mudanças sociais contribuíram para que aumentassem as diferenças entre a vida dos adolescentes americanos e as tradições da família americana. Nesse contexto, a psicologia cresceu bastante e a partir dessa ciência houve a tentativa de explicação dos problemas vividos pelos adolescentes. Partindo desse contexto, Margaret Mead, criticando o biologismo e o fisiologismo da explicação oriunda da psicologia e criticando também as concepções de que o critério de ‘raça’ explicaria o comportamento dos adolescentes, teve a ideia que resultou em seu livro, Coming of Age in Samoa. A hipótese inicial foi a de que em outras culturas a vivência e a conceituação da adolescência seriam diferentes de como ocorria nos Estados Unidos (ou em sociedades semelhantes). Mead queria responder a seguinte pergunta: os problemas que afligem os adolescentes americanos são resultado da natureza da adolescência (e, logo, são universais, necessários) ou da cultura à qual pertencem esses adolescentes (e, logo, são particulares, contingentes)? Adotando essa abordagem comparativa, Mead partiu para a ilha de Ta’u, integrante das Ilhas Samoa, e realizou seu trabalho de campo numa vila com 600 habitantes, na qual ela direcionou seu estudo ao conhecimento, convívio, observação e entrevista com 68 garotas, com idades entre nove e 20 anos.
A prof. Cecilia observou que Mead fez um retrato bem visual e auditivo de Samoa, descrevendo o que os habitantes de lá comem (por exemplo, banana, peixes assados em fornos de pedra), costumes peculiares em relação à cultura da autora (em Samoa, são os homens e meninos que cozinham, não as mulheres) ou sobre os poucos animais com que os samoanos mantém contato (porco, cachorro, rato).
Partindo para as questões mais centrais do livro, a prof. Cecilia aponta que, segundo Mead, há dois tipos de família entre os samoanos, uma mais nuclear e outra mais extensa. Nas casas, há uma variação entre o número de moradores, de cinco ou seis a até mesmo 20 pessoas. As jovens, quando se casam, vão viver com o marido, mas quando engravidam voltam para a casa de sua família, onde dão à luz. Fato peculiar é que os partos em Samoa são assistidos pelos moradores da casa, ocorrendo uma espécie de festa simultânea ao parto.
Sobre a educação em Samoa, a prof. Cecilia destaca que não é positiva, ou seja, há normas sobre o que não fazer, mas não sobre o que fazer. Há o costume das crianças maiores cuidarem das menores (geralmente seus irmãos e irmãs) e, inclusive, serem punidas (pelos seus pais) pelo que essas crianças menores fazem de errado. Assim, as crianças menores geralmente crescem egoístas e desobedientes. No entanto, quando elas fazem sete ou oito anos são elas que têm de tomar conta de outras crianças e é assim que adquirem responsabilidade. Por volta dos nove anos de idade, os meninos começam a fazer atividades em grupo e, assim, desenvolvem a cooperação.
Quanto à organização social, cada casa tem um chefe e há chefes de aldeias também, mas a chefia não é passada por hereditariedade, mas por competências especiais. Há (ou havia, sendo que já se passaram tantos anos desde a publicação do livro) também a sociedade dos jovens (homens) não casados, chamada Aumaga, que tem de cumprir várias tarefas, entre elas, conduzir a taupo (o equivalente a ‘princesa’) a outra aldeia, na qual ela irá se casar (e, assim, estabelecer uma aliança entre duas aldeias). Nesse processo de aliança, no entanto, antes que a taupo se case com seu pretendente, ela tem de ter uma relação sexual com o chefe da aldeia dele.
A prof. Cecilia destaca que o livro de Mead é um marco inaugural da antropologia da sexualidade (e da dança também) e, logo, esse é um tema central do livro. Segundo Mead, por volta dos sete anos de idade os irmãos de sexos opostos não podem mais manter contato, nem mesmo se falarem. Entre os 12 ou 13 anos, as meninas ainda não demonstram ter interesse sexual, o que se modifica por volta dos 15 anos de idade. É quando elas entram no ‘período de graça’ e adquirem mais liberdade em relação aos afazeres domésticos, para se dedicarem mais aos relacionamentos. Há três formas de sexualidade fora do casamento na sociedade samoana: encontros clandestinos, intermediados pelo soa (um menino, espécie de ‘embaixador’, que corteja uma garota para seu amigo ou irmão), onde inclusive pode haver relação sexual; uma aproximação mais formal, também intermediada pelo soa, na qual o casal conta com a permissão das famílias (e o relacionamento se dá de forma equivalente ao que é chamado no Brasil de ‘namoro na porta’); e o moetotolo (a tradução para o inglês é algo como ‘sleep crawling’, sendo no português o equivalente a ‘arrastar-se à surdina’), no qual um rapaz invade a casa de uma garota/moça, durante a noite, e tenta estuprá-la. Caso consiga, pode casar com ela. Se não conseguir, a garota fizer um escândalo e ele for pego pela família dela, então ele passa a ser alvo de chacotas de toda a aldeia, e é estigmatizado como um ‘moetotolo’, ou seja, fica com fama de estuprador. Há também homossexualidade entre os samoanos (sem que haja reprovação quanto a isso), mas não há casamentos entre homossexuais. O casamento, organizado através da regra da reciprocidade, é um evento e uma forma de relação política e econômica também. A sociedade é poligâmica.
Comportamentalmente, os samoanos são avessos ao exagero ou a grandes demonstrações de afetação emocional. Não aprovam ou não são afeitos também a uma rigidez (‘seriedade’) comportamental muito demarcada, nem o ciúme exagerado ou a prática sexual muito freqüente.
Mead chegou à conclusão de que a passagem da infância para a vida adulta em Samoa é mais calma e não marcada pela angústia, ansiedade e confusão que se via nos Estados Unidos. Contribuíram para essa maior tranqüilidade os fatos de a sociedade samoana ser monocultural e estável, dos modelos sociais serem bem definidos e de nada relativo às funções básicas do ser humano, como o ato sexual, o parto ou a morte ser escondido ou objeto de tabu.
Vale destacar que Mead tinha objetivos práticos com sua pesquisa, intentando influir no sistema de educação dos Estados Unidos a partir dos resultados de seu trabalho. O livro foi objeto de muita polêmica durante todos esses anos e, inclusive, ocupou o topo de uma lista dos 50 piores livros de não-ficção em língua inglesa, realizada em 1999 pela Intercollegiate Studies Institute, organização educacional tradicionalista e conservadora (descrevem-se como defensores do governo mínimo, mercado livre e das tradições morais judaico-cristãs). Coming of Age in Samoa é referência básica em cursos de antropologia de todo o mundo.