Autor: Erasmo Cachoeira
Desde a época dos ‘descobrimentos’, a era das grandes expedições promovidas pelas potências européias, se justificava a submissão dos territórios que eram o domínio do "outro", e este era sempre visto como estranho, diferente e, portanto, inferior. É nesse cenário que são travados diversos debates e reflexões sobre a diferença entre os homens. A partir do século XIX, mais precisamente 1870, chega ao Brasil às noções de evolução social como paradigma da época e ao mesmo tempo os modelos de teorias raciais.
Não é estranho (e nem por acaso) que se vá buscar uma explicação para essa "diferença" procurando as origens da humanidade. A procura levou a um debate no começo do século XIX, entre teóricos que defendiam o Monogenismo e aqueles que prezavam o Poligenismo. Na segunda linha, defendia, que a humanidade havia diversas origens, enquanto na primeira afirmavam que a origem era única (bem como a doutrina milenar das igrejas cristãs).
Estas duas correntes de pensamento emergiam de diversos antecedentes iluministas. No século XVIII, os humanistas acreditavam numa humanidade una, onde as diferenças estavam nos caminhos que essa humanidade tomava. Para Rousseau o ‘homem’ no estado de natureza era livre e feliz. A civilização trouxe a desigualdade e a infelicidade. Portanto, este autor e os seus seguidores davam valor ao primitivo, representado para os Europeus da sua época nos nativos das Américas. A idéia de ‘primitivo’ era associada ao modo de vida, comportamento e espaço natural onde estes "selvagens nobres" habitavam.
Quanto aos fundadores da antropologia do século XIX, os etnólogos – como Morgan Tylor e Frazer - eram monogenistas e os antropólogos físicos e biológicos eram poligenistas.
O monogenismo, além de se basear numa noção de origem única para a humanidade, estabelecia uma equidade ao nível de evolução: havia uma linha única de evolução aonde alguns de forma rápida e outros de forma mais lenta chegariam ao mesmo grau de evolução. Pensava que a humanidade pertencia a uma única espécie com o mesmo potencial inato. Deste modo, todos teriam a mesma oportunidade de evoluir, independente das suas características físicas superficiais. Além disso, o monogenismo dava uma conotação divina para a origem da humanidade.
Já o poligenismo partia da perspectiva dos escritores do século XVIII como Buffon e De Pauw que enxergavam inferioridade nos ‘primitivos’ habitantes das américas. Para os defensores do poligenismo, as diferentes origens dos distintos grupos de humanos poderiam ser vistas nas diferenças entre as supostas distintas "raças" humanas. Havia, segundo esta teoria, uma hierarquia natural entre as "raças" humanas que correspondia não só a seu grau de evolução, como também a sua capacidade evolutiva. Fazia-se uma justificativa da hierarquia estabelecida pelos poderes coloniais nos territórios conquistados, deixando de lado um foco nos aspectos históricos, políticos, econômicos e socioculturais para explicar as diferenças, para focalizar os aspectos supostamente biologicamente naturais. A interpretação biológica serviu para fundamentar a tese poligenista, junto à "frenologia e antropometria, interpretação da capacidade humana tomando como base o tamanho e proporção do cérebro dos diferentes povos". Segundo Schwarcz (1993:49), isso levou ao surgimento da antropologia criminal, cujo maior proponente no Brasil foi Nina Rodrigues.
De acordo com o pensamento poligenista não há mobilidade entre as raças "inferiores", ou seja, o determinismo biológico não dá possibilidade de uma possível "evolução". Pior que isso é a afirmação de que o cruzamento entre raças proporciona degenerações morais, físicas e sociais – teoria amplamente abraçada por Nina Rodrigues e sua escola de antropologia.
Após Darwin o monogenismo ganhou, mas o racismo cientifico desenvolveu-se baseado em muitas das ideias e abordagens poligenistas.
De acordo com os evolucionistas culturais, Morgan Tylor e Frazer "em todas as partes do mundo a cultura teria se desenvolvido em estados sucessivos (Ibid:57). Esses estágios, entendidos como únicos e obrigatórios - já que toda humanidade deveria passar por ele - seguiam determinadas direções que iam sempre do mais simples ao mais complexo e diferenciado" (Ibid:57-58). Essa proposta tinha um cunho comparativo e ao mesmo tempo delineador, pois traçava as bases de como deveria "seguir" para se atingir "o progresso" alcançado por alguns.
A escola determinista geográfica e o darwinismo social surgiram a partir desse contexto. Tendo como principais expoentes Ratzel e Buckle, a escola determinista geográfica baseou-se na idéia do meio-ambiente como definidor do desenvolvimento cultural de uma nação. O darwinismo social defendia que o cruzamento (miscigenação) era um erro, pois "não se transmitiriam caracteres adquiridos, nem mesmo por meio de um processo de evolução social" (Ibid:58).
Referência
Schwarcz, L.‘Uma história de diferenças e desigualdades: as doutrinas raciais do Século XIX’. In: O Espetáculo das Raças. São Paulo: Cia das Letras, 1993. Pp. 43-66.
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