Data da aula: 14/04/2009
O artigo de Rohden trata da construção histórica da diferença sexual abordando uma série de conceitos e teorias utilizados na Europa durante os séculos para explicar e justificar as diferenças entre homens e mulheres.
O modelo europeu mais antigo era de que existia apenas um sexo biológico. Para os europeus a diferença entre homens e mulheres estava no grau de perfeição, que era determinado pela quantidade de calor recebida pelo corpo. A perfeição era representada pelo corpo masculino. Acreditavam que quando um corpo em formação recebia calor suficiente para externalizar os órgãos reprodutivos, tornava-se um homem. O corpo que não recebia calor suficiente para se tornar ‘perfeito’ ficou com os órgãos internamente e virava mulher. Nessa concepção os órgãos reprodutivos seriam iguais, a diferença era somente que uns eram externos e outros internos.
No final do século XVIII um novo modelo surgiu, que insistia na existência de dois sexos. Vários fatores influenciam para essa mudança - como a revolução científica iluminista e os desenvolvimentos políticos que seguiram as revoluções francesa e americana. As diferenças ditas 'biológicas' constatadas entre homens e mulheres agora justificam a inferioridade feminina, sobretudo pelas suas funções reprodutivas. Outro aspecto deste novo determinismo biológico se destaca: A mulher é vista como um ser natural e o homem como um ser social, ou seja, não é mais uma questão de calor que externaliza órgãos sexuais e assim aperfeiçoa um corpo de tipo único e unisexo, mas uma diferença essencial e profunda que faz dos homens e das mulheres espécies diferentes.
Com a diferença sexual supostamente comprovada e aceita pelos cientistas atribuem-se aos homens elementos como inteligência e razão, e a mulher paixão e emoção.
A partir do século XIX, nos textos de cientistas e médicos, a maneira em que as diferenças entre homens e mulheres é concebida muda: As diferenças se tornam mais rígidas e as mulheres chegam até a serem consideradas desprovidas de razão e dominadas pela emoção. Rohden argumenta que esse tipo de construção ideológica visava manter a ordem social européia, que se baseava na desigualdade sexual e na opressão e exclusão da mulher.
Na época havia uma grande preocupação com as influências do meio social sobre o indivíduo. Por isso Matus defendia que era necessário exercer um maior controle sobre a mulher devido a sua responsabilidade sobre a reprodução. A instabilidade feminina servia como uma justificativa para afirmar sua maior vulnerabilidade e fragilidade física e moral em relação ao homem. Para muitos teóricos as mulheres eram altamente sensíveis, como as crianças, e muito mais passionais do que os homens, em função de algumas peculiaridades de sua natureza, como por exemplo, maior delicadeza de suas ‘fibras’ e a maior irritabilidade do sistema nervoso feminino. (Moscucci, 1996)
As mulheres eram assim consideradas: "São a expressão viva do que seria como um inverso da razão ou a figuração de uma humanidade ainda não tocada pela razão" (Peter, 1980:84).
A construção da diferença entre os sexos também tinha uma dimensão racial. A inferiorização racial também era bastante difundida neste período. De fato os mesmos cientistas que prezavam a diferença biológica entre raças ‘inferiores’ e ‘superiores’ enxergavam diferenças biológicas entre homens e mulheres e alegavam a inata inferioridade feminina. O interesse de anatomistas europeus pela investigação científica do corpo da africana Saartjie (Sarah) Baartmann, também conhecida como a 'Vênus Hotentote', é um exemplo disso. Georges Cuvier foi um dos anatomistas que estudou as características distintivas desta ‘raça curiosa’ a qual Sarah pertencia. Ele publicou em seu livro com Saint-Hilaire ‘História Natural dos Mamíferos’ fotografias dela tiradas no inicio de abril de 1815 no Jardin du Roi. No livro Baartmann aparece como uma das 120 espécies de mamíferos. Sarah possuía nádegas volumosas e foi capturada e exibida em circos e espetáculos na Europa.
(As duas figuras de Baartmann que serão postadas em seguida são pranchas realizadas por Léon de Wailly e litografadas por C. de Last. História Natural dos Mamíferos, 1824.)
"A apresentação em jaula realçava-lhe a natureza supostamente perigosa e selvagem, a qual se associava a noção de sexualidade também perigosa, incontrolável. Para Stephen Jay Gould, a fama da Vênus Hotentote como objeto sexual provinha justamente das duas características que seu próprio apelido realçavam, ao combinar uma suposta bestialidade ("hotentote") com as fascinação lasciva ("Vênus"). O interesse lascivo despertado pelas apresentações de Sarah fica explícito nos inúmeros cartuns que focalizavam suas nádegas" (CITELI, 2001,164).
Criminalistas como Lombroso retrataram as prostitutas da época como excessivamente sexualizadas, condição representada também pela atribuição de um certo tipo de corpo a elas - como Baartmann, supostamente elas geralmente tinham amplas nádegas. Para esses cientistas, era necessário controlar as mulheres para que não se tornassem deviantes de criminosas.
Todas essas concepções mostradas acerca da diferença sexual são fortemente marcadas pela cultura. Por isso, os teóricos do séc. XIX desenvolveram muitos trabalhos para afirmar e/ou criar teorias que colocassem a mulher num plano inferior, com o argumento de que são naturalmente assim. Ou seja, foi nesse século que o determinismo biológico floresceu como ferramenta para a subordinação política das mulheres.
Referências:
ROHDEN, Fabíola. 'A construção da diferença sexual na medicina', Cad. Saúde Pub. 19 (Sup.2)S201-212. 1996.
CITELLI, Maria Teresa. 'Fazendo diferenças: teorias sobre gênero, corpo e comportamento.' Estudos Feministas, Vol9/1. 2001.
Referências:
ROHDEN, Fabíola. 'A construção da diferença sexual na medicina', Cad. Saúde Pub. 19 (Sup.2)S201-212. 1996.
CITELLI, Maria Teresa. 'Fazendo diferenças: teorias sobre gênero, corpo e comportamento.' Estudos Feministas, Vol9/1. 2001.
CUVIER, Georges, SAINT-HILEIRE, Étienne Geoffroy. História Natural dos Mamíferos, 1824.
Nenhum comentário:
Postar um comentário